Sobre a Nossa Festa!

Cheira-me a casas caiadas, a nervosismo e antecipação, cheira-me a nostalgia, sorrisos e alegria e a cima de tudo devoção.

Uma devoção alheia a tudo, única, sem ligação a algo maior, sendo ela mesma soberana, sem necessidade de ser explicada ou defendida. É tal a sua grandeza, que mesmo o maior dos hereges, acaba por tirar a boina, mostrando respeito aos padroeiros que passam. 

Em volta desta fé, desta crença, deste amor, há também todo um mundo de animação, de festa, de música e também me cheira a isso. 

Cheira-me a farturas, a bifanas, a ginja e a algodão-doce, cheira-me o carrossel e a crianças em êxtase, cheira-me a modas e a vinho, e amizade, cheira-me muito a amizade.

Não sei se noutras terras cheira a isto tudo, nunca o saberei, esta é a minha, e é aqui que tudo me cheira melhor, um dia escrevi um texto sobre esta festa, que volto aqui a partilhar convosco, com os desejos de uma fantástica festa de Ficalho.

“Há festa na minha terra!

Acendem-se a luzes nas ruas, de várias formas e cores, que refletem na calçada  é o país das maravilhas com casas de branco caiadas. O ar enche-se de cheiros, a malacuecos, algodão-doce, bifanas e torrão, de devagar enche-se a praça de gente e animação. A noite é sempre quente, faça sol, chuva ou vento, porque este calor vem das gentes, este calor vem de dentro. Abraçam-se amigos ausentes, outros abraçam só por abraçar, dança-se, salta-se e canta-se até a lua se ir deitar. Sentados nas escadas da igreja, com as barracas já fechadas, vê-se o nascer do sol, ao som de uma alvorada. Com poucas horas de sono, levanta-se todo um povo, para ver os cabeçudos e já está tudo como novo, depois de um almoço em família, um café e uma ginjinha, e está na hora de ir para casa e vestir a roupa fina. Junta-se um povo em peso numa linda procissão, reza-se aos padroeiros, pede-se a sua bênção. Nas ruas já não se cabe, hoje há gente em todo o lado, cantam-se modas nas tabernas, toca uma banda no adro. Para os mais novos um balão, um carrinho ou uma bolinha, e lá ao fundo o carrossel Vieira, “Mais uma volta, mais uma voltinha!“ 

 Vem a mãe e vem o pai, o filho, a sogra e o sogro, toda a gente sai à rua para ver o lindo fogo, e a música continua, lá no adro da igreja, ontem deitámo-nos tarde, mas hoje ninguém se deita. E assim com uma direta, vai-se andando para o Arraial, vamos ver o encontro entre Espanha e Portugal. E assim se passa o dia de chaparro em chaparro, entre copos de vinho tinto, presunto e toucinho assado, bradam-se nomes de amigos, convidam-se desconhecidos, esta é a festa da paz, aqui somos todos amigos. Ouvem-se guitarras e banjos, e modas da nossa terra, com a ermida ao lado e ao fundo a nossa serra. Compram-se chapéus esquisitos e óculos de sol baratos, bebem-se a últimas minis e os restos que estão nos pratos. A festa segue para o povo, pois isto é sempre a abrir, quando a festa acabar temos tempo de dormir. Amanhã já é Segunda e é dia de trabalho, mas isso é pra estrangeiros e pra quem não é de Ficalho. Segunda ainda é festa, à tarde ainda há vacada, baile na praça à noite com carne de vaca assada, batem a três e as quatro e as cinco da madrugada, canta-se a última moda e a festa está terminada.”

Texto e Fotografia: Francisco Mendes